quinta-feira, 2 de junho de 2011

Tempos Contábeis


Fonte: Valor Econômico - KPMG

Mudança de regras exige dos administradores e acionistas um olhar mais dinâmico sobre o os balanços das empresas.
Em um primeiro momento, pode haver a preocupação de observar um impacto objetivo da adoção do novo padrão de contabilidade, estabelecido pelos Internacional Financial Reports Standards (IFRS), sobre os balanços das empresas brasileiras, diminuindo ou aumentando seus resultados. Mas na avaliação de especialistas, os reflexos sobre os números podem não ser imediatos na leva de publicações referentes a 2010, divulgadas no primeiro trimestre deste ano.
Além disso, as mudanças exigirão das companhias, de seus administradores, acionistas e investidores um olhar dinâmico sobre o documento que, agora, não registra apenas o que já aconteceu, mas traz os potenciais efeitos futuros do que está sendo apresentado.
A tradição contábil brasileira estava vinculada às preocupações com o Fisco: como registrar as contas de uma empresa para calcular adequadamente os tributos a serem pagos. Nesta linha, muito dos valores utilizados não eram o valor econômico, de mercado, das transações, ativos e passivos, mas sim o valor histórico, formal, disposto em documentos. A partir da convergência brasileira às normas internacionais contábeis, a atenção é outra. No momento de elaborar os balanços, as companhias estão focadas no mercado, nos investidores e os seus demais parceiros. Os números devem refletir a sua realidade econômica efetiva, com valores de mercado, e os seus riscos.
Se a passagem para o novo modelo exige uma mudança cultural para as empresas, os balanços no novo padrão prometem ser uma oportunidade de verificar a sua situação econômico-financeira, com a chance de compreender a viabilidade de negócios e investimentos.
No entanto, os ajustes nas apurações apresentadas foram tímidos. "A maioria das empresas fez o básico, sem muitas reavaliações no custo atribuído de seu imobilizado. A grande parte deixou os valores no custo histórico, por entender que não haveria grande impacto ou diferença", afirma a professora da Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras), Joanília Neide Salles. A escolha é parte do novo padrão, que não impõe regras definidas, mas princípios, que transferem a responsabilidade de decisões para as empresas.
A resposta às suas escolhas virá, principalmente, do próprio mercado, que punirá ou premiará as decisões, com mais investimentos ou não. "Não foi percebida nenhuma movimentação, por parte de acionistas, questionando ou contestando a apresentação dos balanços das companhias abertas no novo padrão". Para a professora, porém, neste momento, isso é mais um sinal de que não deve ter ocorrido um impacto significativo nos resultados a ponto de fazer diferença na política de distribuição de dividendos.
O fundamental, segundo José Luiz Carvalho, sócio da área de auditoria da KPMG, é que a contabilidade está livre para adotar o foco econômico em seu trabalho, e não o fiscal. "O novo padrão não tem por objetivo trazer impactos aos resultados, mas pretende melhorar a sua apuração, reduzindo margens para que sejam feitas engenharias contábeis", afirma. Os critérios para fazer provisões são mais econômicos. "A administração deve divulgar a política adotada de gestão de riscos".
Para o auditor, o balanço ganha um caráter preditivo e envolve profissionais de várias áreas das empresas. "É mais trabalhoso, principalmente neste primeiro momento, mas a adoção do padrão IFRS é uma oportunidade, pois nesse caso a contabilidade municia e alerta a administração e o mercado sobre potenciais contas e riscos futuros".
De acordo com Paul Sutcliffe, sócio de auditoria da Ernst & Young Terco, a grande maioria das empresas decidiu não fazer a reavaliação dos ativos e manteve os valores históricos na passagem para o novo modelo. Assim, apenas de 10% a 20% da carteira da Ernst & Young fez o ajuste de avaliação, principalmente as que teriam um aumento no patrimônio líquido sem uma depreciação posterior dos ativos, por terem um tratamento diferenciado, como é o caso de terrenos.
Daí a relevância que as notas explicativas ganharam nos novos balanços: devem oferecer as justificativas para os modelos de avaliação desenvolvidos. "Ao lado da descrição de políticas e estimativas, esse conteúdo pode dimensionar os riscos, além de ajudar a proteger as administrações, pois confere mais transparência às decisões", diz Sutcliffe.
Na tentativa de avaliar os efeitos mais imediatos da adoção do IFRS, o especialista em IFRS e sócio da PricewaterhouseCoopers Auditores (PwC) Independentes Tadeu Cendon, fez uma análise das 20 maiores empresas em patrimônio líquido, excluindo as instituições financeiras. "Os ajustes elevaram esses patrimônios, em bases relativas, em torno de 10%", diz.
Osvaldo Nieto, presidente da Baker Tilly Brasil, faz uma análise na mesma linha e destaca algumas mudanças com impactos mais significativos para os balanços. "A mensuração dos derivativos, que antes não eram nem contabilizados por falta de regras, agora é feita, podendo ter efeitos positivos ou negativos no resultado", afirma.
Um exemplo que demonstra um impacto forte para alguns setores é a contabilização de leasings: antes eram colocados como despesa, e, a partir do novo padrão, considerando o que essas operações representam efetivamente para as empresas, entram como ativo imobilizado.
Nesse primeiro momento, o novo padrão está sendo usado, principalmente, pelas grandes empresas (que tiveram, no exercício anterior, ativo total superior a R$ 240 milhões ou receita bruta anual superior a R$ 300 milhões), para quem já estava claro desde o final de 2007 que deveria adotar as novas normas e pelas companhias abertas sob a fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Mas nem todas entregaram seus resultados financeiros.
De acordo com a CVM, das 640 companhias abertas que tinham a obrigação, 53 encaminharam demonstrações acompanhadas do relatório de auditor independente com ressalva; três enviaram acompanhadas do relatório de auditor independente com negativa de opinião; e 46 ainda não tinham entregue até 20 de maio.
Novas normas vieram com inserção mundial
De São Paulo
As adaptações exigidas para a publicação de balanços pegaram muitos de surpresa. Mas o processo de mudança do padrão contábil das empresas brasileiras vem de longa data. A convergência às normas internacionais a partir do exercício de 2010 foi estabelecida em 2007, mas uma das primeiras tentativas de debater o tema aconteceu no começo dos anos 90, quando o Brasil ensaiava uma inserção mais relevante na economia mundial.
O processo não foi adiante e somente com a estabilidade econômica, no final da década, é que o assunto foi retomado. O contexto de crescimento econômico, mercado consumidor interno em expansão e o país se consolidando entre as economias emergentes atraiu investimentos. No entanto, boa parte dos investidores estrangeiros passou a exigir o registro da contabilidade das empresas brasileiras nos moldes internacionais.
Segundo a professora e pesquisadora da Fipecafi Joanília Neide Salles, os balanços brasileiros eram elaborados para atender às normas fiscais e não correspondiam às necessidades dos investidores, que buscam a essência econômica dos ativos e operações nos registros contábeis para checar riscos e oportunidades. A professora lembra dos escândalos corporativos dos anos 90, como o da Enron, que estabeleceram a necessidade de mais transparência nos balanços.
Em 2000, foi apresentado o Projeto de Lei n º 3741, com o objetivo de mudar as práticas contábeis brasileiras e tornar a Lei das Sociedades Anônimas mais receptiva à adoção do padrão IFRS no Brasil. O sócio e especialista em IFRS da PwC, Tadeu Cendon, lembra que, durante o processo de discussão da legislação, ficou clara a necessidade da criação de uma entidade independente e autônoma, composta por contadores, representantes de entidades representativas das empresas, auditores, analistas de investimentos, do órgão federal de fiscalização do exercício da profissão contábil, da universidade e institutos de pesquisa com atuação na área contábil e de mercado de capitais, entre outros agentes do mercado.
Foi criado o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), em 2005, para acompanhar todo o processo de convergência, elaborando as traduções e versões dos IFRS, normatizações, interpretações e orientações sobre os Pronunciamentos Técnicos Contábeis, editados depois da aprovação, no final de 2007, da Lei nº 11.638. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Superintendência de Seguros Privados (Susep) emitem também em 2007 os normativos determinando a convergência das demonstrações consolidadas em IFRS para 2010. O balanço destinado à Receita Federal, para fins fiscais, foi desconectado do societário, destinado à oferta de informações para o mercado.
Em 2008, foi publicado o Regime Tributário de Transição (Lei nº 11.941/09 originada da Medida provisória 449/08). O objetivo foi esclarecer que os impactos das novas normas não trariam efeitos para apuração de tributos. Eventuais aumentos de resultados, por exemplo, em razão da adoção de novos critérios e conceitos, não elevariam o aumento da base de cálculo de contribuições e imposto.
Com a emissão pelo CPC de 14 pronunciamentos técnicos em 2008, regulamentando a legislação de 2007, as adaptações começam em 2009. Mas, foi em 2010 que o restante dos pronunciamentos foi emitido, aprovado e regulamentado, convergindo integralmente as práticas contábeis adotadas no Brasil com o IFRS, totalizando 44 pronunciamentos, 16 interpretações e 5 orientações. (A.H.)
Auditorias: Diante da complexidade do tema, empresas iniciaram treinamento há quatro anos
Maior desafio foi a preparação técnica dos profissionais
Wanise Ferreira  Para o Valor, de São Paulo
A preparação técnica de profissionais para o processo de mudança contábil na economia brasileira foi, sem dúvida, o maior desafio das auditorias independentes. Cientes da complexidade que viria pela frente, boa parte delas preferiu antecipar em, no mínimo, quatro anos o início desse treinamento. Por ser um setor de forte concentração de empresas estrangeiras foi de grande ajuda a retaguarda das matrizes e dos escritórios de outros países onde o International Financial Report Standard (IFRS) já havia sido implantado.
Vencida a primeira etapa, e com equipes bem preparadas, as companhias tiveram, e ainda têm, de lidar com o outro lado da moeda: reter seus talentos frente a um maior assédio nessa área que, normalmente, é considerada um celeiro de nomes para o mercado corporativo. Os salários subiram e também aumentaram a complexidade e a exigência de julgamentos mais apurados, com maior tempo de análise. Teve influência a introdução de novas normas para as próprias auditorias. Como resultado, os custos foram pressionados e pesaram no bolso do cliente na hora de contratar o serviço.
Valendo a máxima de que onde há desafio também há oportunidades, as auditorias souberam muito bem aproveitar o momento para ganhar mais espaço e valorização. Na avaliação de Ana Maria Elorrieda, presidente do Instituto dos Auditores Independentes (Ibracon), os auditores contribuíram para que o processo de transição fosse tranquilo e com alto nível de confiabilidade.
Esse movimento coincidiu com o crescimento do setor que já vinha em andamento. Vários fatores favoreceram esse quadro: o cenário macroeconômico, o maior interesse de investidores estrangeiros no país, a busca das empresas pelo Novo Mercado, e fusões e aquisições. Em todos esses casos, o papel do auditor se tornou peça-chave para dar respaldo às apresentações financeiras, uma prática que está deixando de ser majoritariamente das companhias de capital aberto. Não há, entretanto, dados setoriais para indicar quais são as projeções de crescimento para este e os próximos anos.
Essa situação acirrou a concorrência em um mercado que estava acomodado sob o domínio das Big Four (PricewaterhouseCoopers, Deloitte, Ernst & Young e KPMG) e forçou a adoção de ações estratégicas para garantir o crescimento não orgânico. Foi assim que, em menos de um ano, a Ernst&Young, que era a quarta colocada no ranking, se uniu à Terco, somando receita estimada de R$ 650 milhões e passando para a terceira posição, e a KPMG, que perdeu sua posição para a concorrente, adquiriu a operação brasileira da BDO, transação avaliada em R$ 150 milhões.
Para atender ao momento de mudanças contábeis, as táticas adotadas pelas líderes foram semelhantes. Durante um bom tempo equipes, de sócios a técnicos, foram enviadas para cursos, treinamento e troca de experiência em outros países. E também o caminho inverso, com times chegando aos escritórios brasileiros. Até executivos foram "importados". "Para assumir nossa área de IRFS trouxemos um profissional da Inglaterra (Paul Stucliffe) que já havia acompanhado toda a transição na Inglaterra", disse Jorge Menegassi, presidente da Ernst & Young Terco.
O esforço não foi pequeno. A Deloitte, por exemplo, criou em 2005 um requerimento para credenciamento de todos os escritórios mundiais, com programa de educação continuada. "O IFRS é mais amplo e mais baseado em conceitos que as normas anteriores. Áreas como consultoria, departamento tributário, e de sistemas tecnológicos, também precisavam entender as mudanças", disse Vagner Ricardo Alves, sócio da empresa. Na Ernst Young, as rotas de treinamento passaram pelos escritórios na Alemanha, Austrália, Canadá e Inglaterra. Os sócios foram os primeiros a adquirir o conhecimento dessa regras e em 2008, outras equipes de técnicos foram enviadas. A auditoria consolidou sua experiência em um livro, "Manual de Normas Internacionais de Contabilidade- IFRS versus Normas Brasileiras". "Vendemos mais de 15 mil só no primeiro volume o que, para livros de contabilidade, configura um best-seller", brincou Menegassi.
O IFRS começou a ser acompanhado pela KPMG no início de sua implantação em outros países. Logo depois, os procedimentos futuros para a preparação no Brasil começaram a ser definidos. O estágio de conhecimento sobre as novas normas levou a empresa, inclusive, a dar cursos para outras unidades do grupo na América Latina. Pelo fato de esses investimentos terem sido amortizados durante alguns anos, é difícil para as empresas precisarem quanto, especificamente, foi aplicado nessa atividade. "Não se trata de uma questão única, ao longo do tempo foram envolvidos recursos na alocação de profissionais, viagens, sistemas tecnológicos", ressalta Bruce Mescher, sócio-líder de Global IFRS and Offerings Services (GIOS), da Deloitte. Mas ele calcula que houve um acréscimo de 25% no orçamento ao longo dos anos. Com essa movimentação em torno do IFRS, as auditorias também tiveram de fazer seu próprio dever de casa, o de se adaptar às novas regras.
Setor público tem até 2012 para se adequar ao novo padrão contábil
Angela Ferreira  Para o Valor, de São Paulo
Não são apenas as empresas que estão tendo de se adequar a um novo padrão contábil. O setor público também precisa se estruturar: as normas contábeis para este segmento, (International Public Sector Accounting Standard (Ipsas) - no Brasil conhecido como Normas Internacionais de Contabilidade para o Setor Público - NICSP), entram em vigor em 2012. O novo padrão pretende dar maior visibilidade à situação patrimonial da União, de Estados e municípios.
As Ipsas são normas internacionais emitidas pelo International Federation of Accountants (IFAC), em níveis globais de alta qualidade para a elaboração de demonstrações contábeis por entidades do setor público. "Atualmente, há cerca de 60 países que estão em processo de implantação dessas normas, seja de forma parcial ou integral", comenta Edmir Lopes de Carvalho, vice-presidente de contabilidade da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).
Na opinião do professor do curso de Ciências Contábeis da Trevisan Escola de Negócios, José Geraldo Basante, as Ipsas provocarão na contabilidade pública um impacto maior que o provocado pela instalação do International Financial Reporting Standard (IFRS) nas empresas do setor privado. Assim como a contabilidade societária (lei 6.404/76 atualizada pelas leis 11.638/07 e 11.941/09) está em sintonia com as IFRS desde 2010, a contabilidade pública estará em sintonia com as Ipsas, a partir de 2012. Uma vez que o setor público esteja em convergência com as Ipsas, a contratação de empréstimos com organismos internacionais será mais fácil, opina Carvalho.
Isso acontecerá, segundo ele, porque atualmente a Contabilidade Pública no Brasil encontra-se embasada na Lei 4.320/64 e poucos, mas muito poucos organismos internacionais - mercado, investidores, credores, financiadores, etc. -, entendem ou conseguem interpretar as demonstrações financeiras do setor público brasileiro atualmente. "Com as Ipsas implantadas no setor público haverá uma facilitação na leitura e interpretação das respectivas demonstrações financeiras. Com isso, eu creio que o acesso ao crédito internacional será mais fácil".
Basante, da Trevisan, afirma que esse novo padrão vai revelar termos de ativos patrimoniais do setor público, ou seja, ativos que estão superavaliados e outros subavaliados. "A contabilidade pública, em seu atual estágio, vem passando também por uma reestruturação, em especial no controle de seu Ativo Permanente", observa. "A partir do exercício de 2010, torna-se obrigatório o controle e contabilização da Depreciação de seus bens". Até aquela data, o único controle existente era o desenvolvido por seu setor de Patrimônio, abrangendo apenas as aquisições, transferências e baixas de seu imobilizado. Conforme destacado nos Artigos 85, 89, 100 e 104 da Lei 4.320/64, a contabilidade evidenciará os fatos ligados à administração orçamentária, financeira, patrimonial e industrial de seus órgãos. Comparando o novo padrão contábil entre o setor privado e o público, o vice-presidente da Anefac acredita que, com as novas regras, o setor público terá seus ativos patrimoniais aumentados.
Carvalho pondera que as Ipsas são de grande valia, pois a tendência de harmonização internacional das normas contábeis parece ser uma necessidade imposta pela integração dos mercados e uma exigência de investidores e credores. "Aconteceu com a contabilidade societária com a vinda da Lei 11.638/07 em 2008 e agora com a contabilidade pública a partir de 2012", observa. Essa harmonização tem sido discutida pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC) que prevê, até o final de 2011, emitir todas as normas convergidas. Para tanto, o CFC criou o Comitê Gestor de Convergência que tem como objetivo desenvolver ações para promover a harmonização das Normas Brasileiras de Contabilidade para o setor público. Carvalho acredita que o Brasil cumprirá o prazo. Basante discorda. "As alterações neste setor precisam de cursos, treinamentos e fortes contradições políticas e administrativas, como ocorre normalmente quando da instalação de qualquer alteração na rotina atualmente desenvolvida".
KPMG / José Rubens Alonso
Bancos e seguradoras devem apresentar dois balanços
Rosangela Capozoli Para o Valor, de São Paulo
A estratégia anunciada pelo Banco Central (BC) de incorporar os bancos médios, de forma gradual, à nova norma contábil internacional - International Reporting Financial Standards (IFRS), é vista com bons olhos pelo mercado. O BC e a Superintendência de Seguros Privados (Susep), que regulam os bancos e as seguradoras, respectivamente, já determinaram que, ao contrário do que era feito antes, os bancos e as seguradoras brasileiras não poderão daqui para frente apresentar o balanço da controladora e o consolidado lado a lado. A decisão exige a divulgação de dois demonstrativos financeiros, ou seja, o uso do IFRS a partir do exercício de 2010, mas não para os balanços individuais dessas instituições.
"Já foi sinalizado que o novo padrão contábil será estendido para bancos médios. A decisão é muito bem-vinda do ponto de vista de qualidade de informação, afinal, como os bancos têm de manter recursos em seu poder que são de terceiros, a qualidade é importante não apenas para os acionistas, como também para os credores e depositantes", afirma Edison Arisa, coordenador do Grupo de Trabalho das Instituições Financeiras do Instituto dos Auditores Independentes (Ibracon).
Apesar de elogiar a possível estratégia do BC, Arisa alerta que esse tipo de instituição financeira terá dificuldades em implantar o novo modelo contábil. "Como as normas são novas e não precisam ser reconhecidas nos seus balanços individuais, os bancos de pequeno porte terão um trabalho adicional. Mas a maioria desses bancos já está se preparando para isso", afirma. Na sua opinião, outra característica positiva do IFRS é que se pode ter uma melhor comparação entre as instituições tanto no país quanto no exterior. "Provavelmente, uma instituição de pequeno e médio porte que procurar recursos no exterior ou atrair outros acionistas terá mais facilidade nas suas empreitadas. O investidor tende a confiar mais em informações produzidas de uma forma que ele reconheça", acrescenta Arisa. Para José Carlos Bezerra, gerente de normas contábeis da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a decisão do BC e da Susep de exigir a elaboração de dois demonstrativos financeiros é louvável.
"O BC tem essa prerrogativa legal, e está fazendo uso dela. O ritmo de implantação dessas normas é diferente, mas em algum momento, todos estaremos alinhados. É uma mudança extremamente saudável", afirma o gerente da CVM. "Se nós considerarmos que a contabilidade é a linguagem dos negócios, estaremos todos falando a mesma língua, tanto no Brasil como na maior parte dos países do mundo, pelo menos naqueles mais significativos", completa. No seu entender, com a implantação da IFRS, "o Brasil se tornará ainda mais atraente em termos de investimentos".
A CVM esclarece que as companhias abertas não financeiras, reguladas pela comissão, manterão a prática tradicional, já que o órgão tornou obrigatórios tanto para o balanço individual como para o consolidado, todas as determinações emitidas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), que seguem as normas do IFRS. Para José Rubens Alonso, coordenador do Grupo de Trabalho das Seguradoras do Ibracon, o que ocorreu nos últimos dois anos foi que a Susep alterou a sua regulamentação em função dos pleitos do mercado, que teve dificuldade na implantação do IFRS.
"Ao final, a Susep admitiu a elaboração das demonstrações IFRS para o consolidado sem que fossem divulgadas, mas encaminhadas à superintendência", comenta. No entender do Ibracon, com práticas contábeis tão distintas, não é apropriado apresentar esses dados de forma conjunta. Segundo Alonso, os bancos e seguradoras poderão divulgar os dados individuais e consolidados lado a lado somente se ambos forem apresentados conforme a regra contábil do órgão regulador. Mesmo se essa for a opção, um outro balanço consolidado, no padrão IFRS, continuará sendo obrigatório, ainda que seja apenas divulgado na internet.
Novidades: Entidades divulgam novas normas e geram muita polêmica
Mudanças devem atingir empresas de vários setores
Felipe Datt | Para o Valor, do Rio
As empresas brasileiras que passaram a adotar o modelo International Financial Reports Standards (IFRS) em suas demonstrações financeiras em 2011 já podem se preparar para novas mudanças. Além das quatro normas emitidas em conjunto pelo International Accounting Standards Board (IASB) e o Financial Accounting Standards Board (FASB) no início do mês, a expectativa é de os dois conselhos divulgarem, no mais tardar até agosto, outras duas normas para definir novos padrões para tópicos como reconhecimento de receita e leasing.
A revelação foi feita pelo sócio líder de IFRS da Ernst & Young Terco para a América Latina, Paul Sutcliffe, que participou, em Londres, de reunião bianual com mais de 130 especialistas da consultoria nesse assunto, de diversos países. A norma que deve gerar mais estresse no Brasil é a referente ao reconhecimento de receitas. Conforme o especialista, ela deve tornar mais complexo esse reconhecimento nos casos de empresas que oferecem produtos acoplados a serviços, impactando, por exemplo, players dos segmentos de telecomunicações, softwares e informática.
Só será reconhecida a receita quando a empresa cumprir as obrigações contratuais, ou seja, quando o serviço previsto em contrato for finalizado. "Se existir um contrato de venda e de instalação de maquinário, pode ser que a empresa tenha de postergar o reconhecimento dessa receita", explica.
Nos bastidores, a norma já causa polêmica entre as empresas de telecomunicações na Europa. No Brasil não deverá ser diferente, prevê Sutcliffe. Essa questão já havia dado dor de cabeça às empresas brasileiras do mercado imobiliário. Após meses de discussão, elas conseguiram manter a regra contábil reconhecendo a receita de venda de imóveis residenciais na planta, e não na entrega das chaves.
A norma sobre leasing deve trazer pouca polêmica, explica Sutcliffe. A ideia inicial era não eliminar diferenças entre o leasing operacional e o financeiro, e classificar todas as operações de arrendamento em uma única categoria. "Parece que as operações ficarão mesmo com nomes diferentes. O leasing operacional continuará sendo registrado no balanço", diz.
O IASB não confirma o teor das normas, mas garante que as audiências públicas sobre o tema estão acontecendo e que uma publicação está na agenda para o segundo semestre.
Quatro novas normas emitidas na primeira quinzena de maio, os IFRS 10, 11, 12 e 13, representam uma parte importante do trabalho de alinhamento dos padrões contábeis, e devem trazer impacto direto nas demonstrações financeiras das companhias brasileiras a partir de 2013, quando deverão ser incorporadas aos balanços.
A que deve gerar mais polêmica é a IFRS 11, que trata de joint ventures e estabelece critérios mais realistas de acordos existentes entre duas organizações. No Brasil, as empresas mais afetadas pela mudança são as dos segmentos de óleo e gás e do mercado imobiliário.
Segundo o especialista da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), Bruno Salotti, existiam duas opções para a avaliação do investimento em uma controlada em conjunto: ou era realizada por meio da equivalência patrimonial, com a divulgação no balanço apenas do patrimônio líquido, ou pela consolidação proporcional, no qual são divulgados ativos, passivos, custos e 50% da receita da investida.
Com a nova norma, a consolidação proporcional de joint ventures, padrão nos reportes das empresas brasileiras, não será mais permitida. "No momento em que passa a valer a equivalência patrimonial, haverá um impacto para as companhias brasileiras", explica Salotti.
A IFRS 13 refere-se a um ponto que causa desentendimentos entre os organismos. A norma, que trata da mensuração do fair value, busca simplificar e tornar consistentes os critérios de valor justo, a ser aplicados, por exemplo, nos preços de venda. "Essa norma é das mais relevantes, pois passa a existir um critério único para as companhias que adotam IFRS e para as que adotam o US GAAP", explica Amaro Gomes, do IASB.
Tudo começou com a internacionalização do mercado de capital
Suzi Yumi Katsumata | Para o Valor, de São Paulo
O conjunto de normas contábeis de padrão internacional, o International Financial Reporting Standards (IFRS), e o conselho responsável pela sua revisão e elaboração, o International Accounting Standards Board (IASB), surgiram oficialmente em 2001. Mas sua origem remonta aos anos 1970, quando um grupo de países se juntou com objetivo de produzir um conjunto de normas contábeis internacionais, assegurando aos investidores pronunciamentos financeiros transparentes e comparáveis. Assim, seriam atendidas as necessidades geradas pela crescente internacionalização e liberalização do mercado de capital.
O grupo era formado por Estados Unidos, Alemanha, Japão, Austrália, Canadá, França, México, Países Baixos e Reino Unido e Irlanda. Entre 1973 e 2001, esse conjunto de normas era chamado de International Accounting Standards (IAS), o predecessor do IFRS. O IAS era frequentemente adaptado aos respectivos padrões nacionais e não se tornou um parâmetro verdadeiramente internacional. "Prevaleceu nesse período a multiplicidade de princípios contábeis, com nítido predomínio do US GAAP, princípio de normas dos Estados Unidos", explica Guilhermo Braunbeck, professor e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi).
A existência de múltiplas linguagens financeiras acarretava custos - como a produção de balanços sob normas diferentes - e provocava fortes ruídos no mercado. O exemplo mais famoso foi o da alemã Daimler-Benz. No início dos anos 1990, a empresa divulgou um balanço que indicava um considerável lucro pelos princípios contábeis da Alemanha e um significativo prejuízo pelas normas americanas.
Para acabar com a confusão, em 1995 a Organização Internacional de Comissões de Valores Mobiliários Nacionais (IOSCO) instou a IASC a se reestruturar e criar um conjunto de normas genuinamente internacionais. Em 2001, surgiu a Fundação IFRS e seu órgão de revisão e elaboração de normas, o IASB.
O acaso deu uma mão para o IFRS se consolidar como o princípio contábil internacional: a falência da americana Enron Corp, no final de 2001, após a revelação de uma série de fraudes contábeis. O escândalo Enron demonstrou que o US GAAP também tinha suas falhas. "A rigor, a Enron cumpria as regras do US GAAP", relembra Braunbeck.
Diferentemente do US GAAP, o IFRS é baseado em princípios e conceitos. Exemplo, o controle de uma firma sobre outra não é definido por um determinado percentual de participação acionária, mas por um conceito analisado individualmente. Aplicado corretamente, o sistema baseado em princípios cria menos brechas legais para serem exploradas pelos fraudadores. "Nesse caso, a fraude será um distanciamento do princípio da norma contábil. Na contabilidade baseada em regras, existe a fraude legal, como foi a Enron", explica.
KPMG / José Luís Carvalho
Balanço: Analistas destacam a melhora na qualidade das informações
Novo padrão é passaporte para bolsas de todo mundo
Cezar Faccioli | Para o Valor, de São Paulo
A maioria das companhias abertas, listadas ou não em bolsa, mostrou em seus balanços um bom nível de convergência às normas contábeis do International Financial Reports Standards (IFRS). Essa é a avaliação predominante entre os especialistas. José Luís Carvalho, sócio-diretor da KPMG, destaca que o desafio maior foi superado, embora admita a necessidade de mais dois exercícios para uma completa adaptação aos padrões internacionais. Tadeu Cendon, da concorrente Price Waterhouse Coopers, lembra do ceticismo inicial quanto ao país virar essa página. Seguradoras, bancos e instituições de previdência privada, na avaliação de Cendon, partiram de um quadro em que a prática da contabilidade brasileira, de certa forma, antecipou-se à padronização internacional.
A melhora acentuada na qualidade das informações prestadas é o traço comum à grande maioria dos balanços de companhias abertas do exercício de 2010, de acordo com o diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Alexsandro Broedel. "O processo foi mais tranquilo e natural do que o esperado," avalia. Publicados este ano, esses demonstrativos foram o primeiro grande teste da adaptação ao padrão internacional de contabilidade. "E o panorama geral é muito positivo, com relatórios mais transparentes e mais detalhados, em particular nas notas explicativas", analisa Broedel.
No geral, as empresas tiveram que mobilizar forças-tarefas muito numerosas para dar conta do reprocessamento de enormes bancos de dados. Carvalho, da KPMG, recorda que as instruções para a adaptação aos parâmetros contábeis globais ocupam nada menos que 3 mil páginas. A lei que obrigou as empresas a adotarem a IFRS abriu caminho de livre acesso a bolsas nos principais mercados" explica Carvalho.
Ricardo Rodil, da Baker Tilly, explica que práticas relativamente recentes no país, como as ações oferecidas como complemento salarial, ainda carecem de consolidação no raciocínio contábil brasileiro. Além disso, os novos padrões trazem conceitos inovadores, por priorizar a busca do justo valor de cada ativo. "É um novo olhar: se um carro custou R$ 80 mil, mas pode ser revendido em três anos por R$ 40 mil, deve ser lançado nos livros por R$ 40 mil" exemplifica.
O desafio é maior no caso dos chamados ativos biológicos, conforme explica José Luís Carvalho, da KPMG. "Quando não há preços cotados em mercado (caso das commodities agrícolas) e há um processo de maturação mais lenta do ativo (caso das florestas), é preciso usar critérios amplamente aceitos na precificação, para a montagem de modelos matemáticos de avaliação," explica.
Mesmo com dilemas a ser superados e pelos menos mais dois anos de trabalho árduo pela frente, é possível ser otimista com as perspectivas de adaptação ao IFRS. Cendon, da Price, Carvalho, da KPMG, e Rodil, da Baker Tilly, identificam um esforço constante de aperfeiçoamento dos órgãos reguladores, dos comitês de procedimentos contábeis e do meio acadêmico para tornar as regras um instrumento de melhoria efetiva da gestão administrativa-operacional.
Demonstrativos ficam mais transparentes
Luiz Sérgio Guimarães | Para o Valor De São Paulo
O impacto das normas internacionais IFRS sobre as ações das empresas negociadas em Bolsa de Valores ainda não pode ser inteiramente medido não só porque as mudanças contábeis são muito recentes e os analistas e investidores passam por um período de conhecimento e aprendizado. Mas sobretudo porque o mercado de ações atravessa um momento ruim, de persistente baixa. Em maio, até o dia 24, o Ibovespa registrava desvalorização de 4,2%, ampliando para 8,6% a perda do ano. Um benefício gerado pelas novas regras contábeis pode ser facilmente anulado pelo quadro econômico adverso. Tende, no curto prazo, a perder relevância em relação ao cenário que conjuga desaceleração do crescimento, aperto no crédito, alta do juro básico e incertezas internacionais.
Levantamento da corretora Planner mostra que o lucro líquido de 300 empresas abertas cresceu 41% no primeiro trimestre do ano. Se dessa amostra forem retiradas as gigantes Petrobras e Vale, o avanço desce para o patamar de 14%. Mas não dá para dimensionar precisamente, no entender do gerente de projetos da corretora, Ricardo Martins, qual o tamanho da responsabilidade do IFRS no crescimento do resultado final das companhias. Mas, publicados os balanços sob a égide do IFRS, já foi possível aos analistas comemorar uma vasta gama de aprimoramentos. O trabalho de análise e prospecção dos melhores papéis se tornou muito mais produtivo e consistente. O feito essencial do IFRS foi trazer ao conhecimento geral informações antes restritas ao ambiente interno das companhias. Elevavam-se à categoria de segredos a serem resguardados da curiosidade da concorrência.
O IFRS altera as contas do balanço patrimonial e do demonstrativo de resultados, e exige que seja revelada alguma medida de lucro por segmento operacional, desencadeando a publicação de uma abundante quantidade de informações nas notas explicativas. "As contas das empresas se tornaram muito mais abertas. A análise dos segmentos operacionais era muito complicada antes das alterações", diz o analista-chefe da corretora SLW, Pedro Galdi. A pura e simples aplicação do conjunto de normas arroladas no IFRS não será capaz de alterar a essência de uma empresa, alerta o presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec-SP), Reginaldo Alexandre. "A empresa é a mesma, antes e depois do IRFS. O que muda é a forma como é mostrada ao mercado", diz ele.
O que de fato importa é o fluxo de caixa, e este não se altera. Mas, depois do IFRS, as companhias ficaram mais transparentes, visíveis e analisáveis. A melhoria dos processos contábeis é contínua, mas faltava o ponto vital do desmembramento das atividades capazes de gerar receita própria e o impacto de cada resultado individual no balanço consolidado. Os analistas precisavam trabalhar com uma série de suposições nem sempre verdadeiras. Muitas vezes, no entender de Alexandre, o "achismo bem-intencionado" se materializava na sugestão de compra de uma ação que poderia se revelar desastrosa. O IFRS aumentou o grau de escolha e de responsabilidade dos auditores. Os números do balanço são agora muito mais próximos aos valores reais em caixa.
Construção civil: Contadores e auditores discordam em relação ao "compromisso de compra e venda"
Interpretação de contratos afeta o setor imobiliário
Angela Ferreira | Para o Valor, de São Paulo
Tânia Gurgel, da TAF Consultoria, aponta diferença de percepção da receita entre o Brasil e Estados Unidos e EuropaOs contratos de construção do setor imobiliário têm uma interpretação à parte dentro do IFRS (International Financial Reportings Standards), o que faz da construção civil um dos segmentos mais afetados com a migração para o novo padrão contábil.
O pomo da discórdia entre contadores e auditores está na interpretação sobre como os contratos de compromisso de compra e venda, que são firmados antes do término da construção ou a conhecida "compra do imóvel na planta", devem ser lançados no balanço das empresas. Inicialmente, esses contratos teriam sua receita lançada no ato da transferência dos riscos e benefícios, isto é, na "entrega das chaves".
Declarando a receita desta forma, o fluxo de caixa das companhias seria arduamente afetado, pois as receitas seriam postergadas e registradas só quando da finalização do empreendimento. Com isto, principalmente para as empresas de capital aberto, o resultado seria a alteração do ritmo de geração de receitas, de lucros e do pagamento de dividendos.
A Resolução RES 1335 do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) menciona o conflito de interpretação da norma.
"Enquanto nos Estados Unidos e na Europa, fala-se em reconhecimento da receita e lucro quando da entrega das chaves, aqui no Brasil a receita é reconhecida mensalmente quando da evolução do custo", explica a contadora e advogada tributarista Tânia Gurgel, sócia-diretora da TAF Consultoria, especializada no setor de Construção Civil.
"A diferença desta percepção de receita é centrada, principalmente, na definição do momento em que os riscos e os benefícios do imóvel são transferidos ao contador, pois é neste instante que os princípios do IFRS estão estabelecidos", comenta Tânia. "Muitas empresas brasileiras argumentam que, mesmo com o imóvel em construção, os compradores podem, desde a assinatura do contrato, revender este imóvel e também realizar lucro com esta ação, o que figuraria que ele está sujeito aos riscos e benefícios do negócio desde a assinatura do contrato e, sendo assim, as receitas da venda dos imóveis poderiam ser lançadas no balanço antes da entrega das chaves", completa a advogada.
A definição sobre a maneira correta de lançar essas informações no balanço deverá ser anunciada pelo International Accouting Standards Board (Iasb), emissor das normas internacionais, ainda sem data definida.
Antes de 2003, a apuração do resultado na atividade imobiliária era feita com base na receita recebida em relação ao total da venda, sendo os custos apropriados com base nesta mesma proporção. "Naquela época, o resultado a apropriar era registrado no Grupo de Resultado de Exercícios Futuros (passivo). Notoriamente, tratava-se de uma pratica contábil para atender à legislação fiscal (IN 84/79), mas que por outro lado feria um dos princípios mais importantes da contabilidade que era proceder à escrituração pelo regime de caixa, sendo o correto pela competência", diz Marcelo Lico, diretor da Macro Auditoria e Consultoria.
Com a Resolução 963/03 do CFC (revogada a partir de janeiro de 2010 em função do IFRS), essa prática contábil foi alterada de forma que já naquela época havia sido instituído o reconhecimento do resultado com base na produção ou andamento da obra. "No segmento imobiliário, poucas empresas possuíam ações negociadas em bolsa, de forma que não eram obrigadas a serem auditadas ou terem os balanços publicados e na prática poucas seguiam a regulamentação do CFC."diz Lico. Com a abertura de capital, essa cultura vem mudando gradativamente.
Pequenas e médias contam com sistema simplificado
Gleise de Castro | Para o Valor, de São Paulo
As pequenas e médias empresas brasileiras passaram a contar, desde o ano passado, com um conjunto simplificado de normas do IFRS. Enquanto o conjunto completo tem 60 regras e quase 3.000 páginas, o simplificado está reunido em uma só norma, em um documento de 244 páginas.
Essas normas específicas, criadas em 2009 pelo IASB (The International Accounting Standards Board), organismo responsável pelas novas normas internacionais de contabilidade, foram aprovadas em dezembro de 2009 pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) e homologadas pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC). Os conceitos básicos do conjunto completo, porém, não mudam.
O princípio de reconhecimento de um fato ou uma ação (como a compra de uma mercadoria) mantém o critério de competência (quando uma operação é reconhecida), ou seja, se uma empresa compra algo e vai pagar em 30 dias, tem de reconhecer a operação na data em que ela acontece e não necessariamente na data em que vai pagar por ela. Também o critério de mensuração é o mesmo das IFRS completas, pelo valor justo, ou seja, pelo valor de mercado no momento da mensuração ou avaliação. Uma máquina ou um terreno comprados anos atrás não podem ser lançados em demonstrações contábeis de hoje com o mesmo valor que tinham no ato da compra.
"É um desafio cultural. Daqui para frente, haverá um divórcio entre o livro contábil e o livro fiscal", diz Luciano Cunha, gerente de global IFRS da Deloitte.
O livro fiscal conterá informações baseadas em critérios definidos pela Receita, para cálculo dos impostos, bem diferentes das IFRS. A principal vantagem é que, com seus resultados padronizados, as pequenas e médias poderão ser comparáveis a suas congêneres no Brasil e em outros países, o que deve facilitar a obtenção de crédito e os negócios.
A ideia foi adaptar os novos padrões de contabilidade para a realidade das empresas de menor porte, pois elas estavam tendo dificuldade para adotar as IFRS nos vários países que já fizeram a convergência. No Brasil, o Pronunciamento Técnico PME expandiu o conceito de PME. Ele vale para companhias que não precisam prestar contas a qualquer público (por exemplo, sem ações em bolsa ou debêntures) e também sociedades limitadas de menor porte (com ativo total inferior a R$ 240 milhões ou receita bruta anual abaixo de R$ 300 milhões) e outras que não captam recursos públicos, cujas demonstrações contábeis têm uso interno e externo, como para credores e sócios que não participam da gestão e agências de avaliação.
Helena Rego, analista de políticas públicas do Sebrae Nacional, diz que o grande público dos optantes pelo Simples Nacional, um total de 5 milhões de empresas, ficam fora porque já têm uma contabilidade simplificada. Uma contabilidade mais refinada faz sentido para empresas que operam com franquia e aquelas mais avançadas, que utilizam mais tecnologia. "Se for uma empresa muito simples, com transações corriqueiras, vai aplicar o básico", diz.
Isso deve acontecer nos primeiros anos, concorda Ricardo Rodil, sócio da empresa de auditoria e consultoria Baker Tilly Brasil, especializada em empresas de médio porte. Ele acredita que haverá depois um processo de "contágio" das novas normas para todas as empresas. "Com todo mundo adotando, os novos padrões serão pulverizados para toda a sociedade, como aconteceu com a lei das S.A., de 1976, cujos critérios passaram a ser adotados por todos", diz.
Novos conceitos levam benefícios e desafios para gestão de companhias
De São Paulo
O conjunto específico de normas do IFRS para pequenas e médias empresas traz benefícios e desafios para as companhias. Conceitos econômicos substituem a visão fiscal tradicional para avaliação de ativos, passivos, investimentos e resultados. Por isso, os novos padrões estão sendo considerados uma revolução para a própria gestão de companhias de menor porte.
O objetivo de estabelecer demonstrações contábeis para pequenas e médias empresas é oferecer informação sobre a posição financeira, o desempenho (resultado e resultado abrangente) e fluxos de caixa, que podem ser úteis para a tomada de decisão por parte de instituições e outros órgãos que não têm como exigir relatórios feitos sob medida para atender às suas necessidades particulares de informação, como bancos, investidores e clientes.
As demonstrações contábeis também exibem os resultados de uma administração responsável, que zela pelos recursos confiados a ela. A informação contida nas demonstrações contábeis ajuda instituições financeiras a tomar melhores decisões, o que tende a resultar no funcionamento mais eficiente dos mercados e no menor custo de capital para a economia como um todo.
Os benefícios também podem se estender à gestão da empresa, com a melhoria no processo de tomada de decisão, já que a informação financeira utilizada internamente costuma se basear em dados da apresentação de demonstrações contábeis.
O critério para depreciação de ativos fixos é uma das principais mudanças. Bens como máquinas, computadores e móveis passam a ser depreciados por sua vida útil estimada e não por taxas máximas fixadas pela legislação.
Esse novo parâmetro é o chamado "deemed cost", custo atribuído, que valoriza os bens da empresa. "Os olhos agora estão mais voltados para a realidade econômica. A contabilidade depende em muitos casos de estimativa, não é uma ciência exata", diz Ricardo Rodil, da auditoria e consultoria Baker Tilly Brasil. Para pagamentos baseado em ações da própria companhia, o valor dos papéis é estipulado pelo administrador em conjunto com o conselho da empresa, já que eles não estão disponíveis no mercado. No caso das companhias abertas, a métrica é a cotação em bolsa.
Já o "fair value", valor justo ou de mercado, é aplicado na avaliação de ativos fixos. Ativos biológicos, presentes em companhias agropecuárias de pequeno e médio porte, como gado, produção de milho, frutas e legumes e verduras, porém, não precisam ser avaliados segundo esse critério quando a relação custo-benefício for desfavorável para a empresa.
As propriedades usadas para investimento devem ser avaliadas preferencialmente pelo valor justo, quando não implicarem custo excessivo na avaliação. As subvenções governamentais e recursos de incentivos fiscais podem ser lançadas como ativo (receita) ou passivo (despesa), o que a empresa considerar mais vantajoso. Já gastos com pesquisa e desenvolvimento têm de ser lançados sempre como despesa, ao contrário da norma das grandes companhias de capital aberto, que devem lançá-los como investimento. (G.C.)

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