É sabido
que boa parte das companhias abertas não tem muito apreço pelas medidas
contábeis na hora de divulgar seus resultados financeiros. A fixação de
analistas e investidores pela geração de caixa diminuiu a importância que os
gestores dessas empresas dão ao bom e velho lucro líquido, na mesma medida em
que o Ebitda (sigla em inglês para lucro antes do resultado financeiro, de impostos sobre o lucro, depreciação e
amortização) virou o principal foco da administração.
Mas o
Ebitda, que não é uma medida contábil e já desconta muitas linhas
"negativas" do resultado, também não atende mais ao gosto de um grupo
crescente de companhias.
A medida
preferida de resultado delas passou a ser, então, o Ebitda ajustado. Muitas nem
dão "sobrenome" ao indicador, se limitando a colocar uma nota de
rodapé para esclarecer que o Ebitda que aparece na tabela dos comunicados ao
mercado tem suas peculiaridades.
Esses
ajustes têm proporções que merecem a atenção dos investidores. Em um grupo de
15 companhias identificadas pelo Valor, o Ebitda ajustado foi 35% maior que o
Ebitda "puro" apresentado pelas empresas no primeiro semestre deste
ano. Sem o ajuste, ou seja, considerando apenas o que as letras da sigla Ebitda
significam, a soma dos resultados ficou em R$ 5,22 bilhões. Após os acertos
feitos pelas companhias para divulgação ao mercado, o montante aumenta em R$
1,84 bilhão, para R$ 7,06 bilhões.
Na
análise do lucro, a diferença percentual foi ainda maior, de 70%. O resultado
líquido publicado somado de um grupo de sete companhias selecionadas foi de R$
806 milhões no primeiro semestre de 2011. O lucro ajustado divulgado ao mercado
somou R$ 1,37 bilhão, com uma diferença positiva de R$ 570 milhões.
Os casos
que mais chamaram a atenção no primeiro semestre foram os da Positivo Informática e o da Camargo Corrêa Desenvolvimento Imobiliário (CCDI). A
fabricante de computadores teve prejuízo de R$ 118 milhões de janeiro a junho
deste ano. Na segunda página do
seu
comunicado sobre resultados, no entanto, o leitor verá um resultado líquido
ajustado negativo de apenas R$ 24 milhões. O principal motivo para a diferença,
detalhado na página 20 do comunicado, está no fato de que, no segundo
trimestre, a empresa reconheceu uma perda de R$ 94,7 milhões no valor de
estoques que estavam com ela ou com terceiros, além de ter baixado do ativo
peças usadas sem valor de recuperação. A empresa diz que o ajuste não teve
efeito no caixa no momento da baixa. Isso é fato: o dinheiro foi gasto quando o
estoque foi formado. Mas também é fato que a contabilidade segue o regime de competência, não o
de caixa. O caso da CCDI é semelhante, embora com apresentação diferente. A
empresa reviu seus orçamentos de obras e verificou que o custo de construção de
alguns empreendimentos foi maior do que o originalmente
previsto. O impacto negativo registrado no segundo trimestre foi de R$ 90,1
milhões. A empresa divulga o resultado oficial registrado com destaque logo na
primeira página do seu comunicado ao mercado e acrescenta um dado que chama de
pro forma, que desconta esse ajuste e efeitos extraordinários do período.
Procurada na sexta-feira, a Positivo não deu uma resposta até o fechamento
desta edição. A CCDI disse que as informações que poderia prestar já estavam no
seu comunicado ao mercado. Nesses dois casos, as diferenças mais relevantes têm
ligação com eventos que realmente não se repetem com frequência. Nos demais
identificados pelo Valor, o que ocorre é um ajuste sistemático, que se repete
em todas ou quase todas as divulgações de resultado trimestral. Embora os
analistas setoriais especializados já estejam habituados aos ajustes, para o
investidor comum é importante conhecer alguns deles. Empresas que realizam
aquisições com frequência, como a companhia de bens de consumo Hypermarcas e a rede de ensino Anhanguera, estão
entre aquelas que fazem ajustes repetidamente. O diretor financeiro e de
relações com investidores da Hypermarcas,
Martim Prado Mattos, diz que desde a abertura
de capital, em 2008, a companhia adotou a prática de retirar da conta do
Ebitda as despesas e receitas extraordinárias ligadas às 19 aquisições que
ocorreram no período. Para ele, é exatamente para isso que serve o comunicado
sobre resultados preparado pela área de relações com investidores. "É uma
tradução, na visão da administração, de como foram os resultados. Senão
bastaria divulgar o ITR." O que é essencial, afirma o executivo, é que
fique claro para os investidores os ajustes que foram feitos. "Aí cada um
interpreta da forma que quiser. Tem gente que usa o ajustado e tem gente que
não", explica o executivo. Ele destaca ainda que o resultado ajustado é
mais comparável com o de anos anteriores. Por exemplo, ele cita que a migração
para o padrão contábil tirou do resultado as comissões pagas em ofertas de
ações, mas incluiu despesas com advogados e bancos em operações de aquisição, que antes
se refletiam apenas nas contas do balanço patrimonial. Além dos resultados
considerados não recorrentes, a Hypermarcas,
assim como muitas empresas, exclui do Ebitda divulgado as despesas com plano de
opção de ações para os executivos. "É um lançamento contábil. Do ponto de
vista do caixa, não tem saída", afirma o executivo. No caso da Anhanguera,
o lucro ajustado desconta diversos lançamentos sem efeito caixa, como o ajuste
ao valor presente do resultado financeiro, o Imposto
de Renda diferido e a
amortização de ágio da carteira de clientes de empresas adquiridas. No cálculo
do Ebitda, despesas e receitas consideradas não recorrentes também são
excluídas. Segundo Ricardo Scavazza, vice-presidente financeiro da Anhanguera,
a divulgação de resultados ajustados é importante para favorecer a análise e
para que o investidor entenda os efeitos de aspectos operacionais sobre o
negócio. Ele ressalta que os ajustes são feitos tanto se forem positivos quanto
negativos para o resultado final. "Nós chamamos atenção tanto para um
ganho não recorrente para aquele período como, se for o caso, para despesas
extraordinárias", diz. O executivo afirma ainda que o investidor tem à sua
disposição o resultado contábil e os ajustes. Assim, se alguém discordar da
classificação de determinado item como não recorrente pela companhia, é
possível não levar esse ponto em consideração. Mas não são apenas essas
empresas que divulgam números ajustados. A BM&FBovespa,
por exemplo, divulgou lucro líquido ajustado de R$ 793 milhões no primeiro
semestre, 40% maior que medida contábil, que foi de R$ 564 milhões. A diferença
se deve ao desconto de um passivo diferido de Imposto
de Renda ligado à amortização
do ágio gerado na fusão da Bovespa com a BM&F. Questionada sobre por que
considera relevante divulgar os dois dados, a bolsa informou que o resultado
ajustado "é um número gerencial apresentado pela empresa para refletir de
forma mais apropriada a geração de caixa da companhia". A empresa diz que
a metodologia "é divulgada de forma bastante transparente, de forma que
fica a critério de cada analista ou acionista utilizar ou não o conceito de
lucro líquido ajustado".Redecard e
Cielo, que atuam como credenciadoras de estabelecimentos que aceitam cartão de crédito e débito, somam ao Ebitda o resultado
financeiro que obtêm com a antecipação de recebíveis aos clientes. Apesar de a
norma contábil não abarcar essa avaliação, a Redecard disse, em resposta, por e-mail, que
"entende que essa atividade faz parte do seu resultado operacional".
A companhia disse ainda que as demonstrações contábeis são suficientes para que
o leitor possa montar e analisar o Ebitda e acrescenta que, conforme ofício da CVM, também apresenta
uma reconciliação do Ebitda ajustado nos seus comunicados ao mercado. A Cielo
preferiu não dar entrevista sobre o assunto. Entre as procuradas, B2W, Rossi e Pão
de Açúcar não responderam aos
pedidos de entrevista. A Viver (ex-Inpar) disse que não tinha porta- voz
disponível para falar e a Multiplan argumentou que está em período
de silêncio por conta de uma emissão de debêntures.
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