O aumento da
inadimplência no financiamento a veículos, que passou de 3,8% para 6,1% nos
últimos 12 meses encerrados em maio, superando o nível de 2009, já começa a se
refletir nos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) que têm
como lastro operações de crédito para compra de veículos usados. Segundo os
analistas, a elevação recente do índice de atrasos, iniciada no ano passado,
tende a seguir afetando o resultado dos portfólios no segundo semestre.
Esse movimento ainda
não afeta o retorno dos investidores desses fundos. Isso porque os FIDCs contam
com um percentual alto das chamadas cotas subordinadas, aquelas compradas pelos
próprios bancos e financeiras que originaram e venderam ao fundo as operações
de crédito. Essas cotas, que chegam a superar 25% do total dos fundos, formam
um colchão que absorve as perdas. Só depois que o calote supera o valor das
cotas subordinadas é que as cotas seniores, vendidas efetivamente a
investidores, começam a sofrer perdas.
Por outro lado, as
perdas representam prejuízo para os bancos e financeiras que detêm as cotas
subordinadas e se somam ao calote já registrado nas carteiras mantidas em seus
balanços.
Em maio, os FIDCs com
lastro em financiamento de veículos somavam 21 fundos que detinham um
patrimônio líquido de R$ 12,71 bilhões, segundo levantamento da consultoria
Uqbar. As carteiras de instituições com maior atuação nesse segmento, caso da
BV Financeira e da financeira Omni, mostram uma piora na qualidade dos ativos e
apresentam o maior aumento de inadimplência.
No BV Financeira FIDC
IV, lançado em outubro de 2010 e que pegou todo o movimento de expansão de
financiamento a automóveis, a taxa de inadimplência (créditos com atraso acima
de 90 dias) passou de 2,1% em outubro de 2011 para 5,6% em março, segundo
relatório da Moody's, responsável pelo rating das cotas seniores do fundo.
"O nível de perdas dos FIDCs aumentou e essa tendência de alta deve ser
vista no segundo trimestre", diz Johann Grieneisen, vice-presidente e
analista de crédito estruturado da Moody's.
Assim como em 2009, o
avanço da inadimplência neste ano é resultado do crescimento expressivo do
financiamento de carros em 2010, com alta de 49% do estoque, e de políticas
menos restritivas na concessão de crédito adotadas em 2011. Além disso, o
aumento do endividamento das famílias, que hoje alcança 42,95%, também tem
contribuído para elevar os índices.
Como as perdas nesses
fundos são efetivas apenas após atrasos acima de 180 dias, só começaram a aparecer
no fim do ano passado. No FIDC atrelado a financiamento de veículos do Banif,
lançado em setembro de 2011, a perda estimada, que considera o total
provisionado para créditos vencidos há mais de 180 dias sobre o valor dos
créditos adimplentes, passou de 0,5% em outubro de 2011 para 9,1% em maio.
Já no BV Financeira
FIDC IV, a taxa anualizada de perda subiu de 4,4% em outubro de 2011 para 6% em
abril de 2012. A BV Financeira, que trabalhava notadamente com o financiamento
de veículos seminovos e usados, possui cinco fundos com lastro em CDC de
carros.
Após o salto nos
calotes e as incertezas sobre a economia, os bancos estão mais restritivos na
concessão de créditos, o que tem se refletido na desaceleração das operações. O
saldo total dos financiamentos de veículos cresceu apenas 3% neste ano até
maio. "Com a queda na originação, a inadimplência deve crescer de forma
mais modesta daqui para frente", afirma Leandro Albuquerque, diretor da
Standard & Poor's.
Como a maior parte
desses contratos de FIDCs se refere a financiamento de veículos usados, a taxa
de perda anual costuma ser mais alta, acima de 5% da carteira de recebíveis,
enquanto para carros novos a perda anualizada é em média de 1%, diz Grieneisen,
da Moody's.
Nos FIDCs da Omni,
que compra recebíveis de financiamento de veículos com mais de 10 anos, a taxa
de inadimplência é mais alta ainda. Num fundo encerrado em 14 de março, que já
pagou os investidores, a perda ficou em 12%. No portfólio ainda ativo, o FIDC
VI, lançado em dezembro de 2010, a taxa de perda bruta estava em 4,4% em maio.
"Essas perdas têm ficado dentro das expectativas", afirma Jayme
Bartling, diretor sênior da área de operações estruturadas da Fitch Ratings.
A taxa de desconto
aplicada na aquisição dos ativos nos fundos da Omni também costuma ser mais
alta que a de outros FIDCs. Isso permite remunerar os investidores das cotas
seniores e ainda criar uma reserva para cobrir eventuais perdas, afirma
Bartling.
Para os analistas, a
nova rodada de redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para a
compra de carros novos, que vigorará até o fim de agosto, não devem ter grande
impacto para o mercado de autos usados, que compõem a maior parte desses
créditos. "Estamos falando de financiamento de carros com mais de 10 anos,
que já têm preços muito depreciados e, por isso, são menos afetados que os
seminovos", avalia Bartling, da Fitch.
No entanto, apesar da
queda da taxa de juros contribuir para o pagamento de dívidas, um crescimento
menor da economia e o eventual reflexo nos índices de desemprego são riscos que
podem elevar a taxa de inadimplência nessas carteiras, destaca Albuquerque, da
S&P.